O primeiro dia de julgamento da presidente afastada Dilma Rousseff no Senado foi marcado por tensão e pelo depoimento de dois nomes arrolados pela acusação.

Até às 23 horas desta quinta-feira (25), o auditor do TCU Antônio Carlos Costa D’Ávila Carvalho Júnior, também já depunha há pouco mais de uma hora.
Os senadores favoráveis ao impeachment retiraram a inscrição para questionar o auditor Antônio Carlos. Com isso, o número de inscritos caiu de 24 para 6. Assim, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que o intervalo, programado para as 23h, não ocorreria em razão do número reduzido de senadores a inquirir.
Dilma é acusada de ter cometido crime de responsabilidade ao editar decretos de crédito suplementar incompatíveis com a meta fiscal e atrasar repasses do Tesouro Nacional ao Banco do Brasil. Os dois fatos teriam acontecido no ano passado.
Questões de ordem
A sessão de julgamento começou às 9h34, com embates entre defensores do impeachment e da presidente afastada Dilma Rousseff. Durante toda a manhã, senadores da base de apoio da presidente Dilma Rousseff apresentaram, por mais de três horas, oito questões de ordem com o objetivo de esclarecer pontos da sessão de julgamento. Nenhuma das questões foi aceita pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que preside o julgamento da presidente.
Os senadores que apoiam o impeachment acusaram os parlamentares da base da presidente de querer apenas atrasar o processo. A sessão chegou a ser suspensa por divergências entre os dois grupos, no momento mais tenso do primeiro dia.
Informante
Apenas quando começou o primeiro depoimento a defesa obteve uma vitória, quando Lewandowski considerou que o procurador Júlio Marcelo de Oliveira não poderia ser considerado como testemunha. Por isso, ele foi ouvido como informante.
Lewandowski levou em conta o fato de Júlio Marcelo ter se manifestado pelo Facebook chamando pessoas para um ato a favor da rejeição das contas da presidente, o que não é compatível, para o ministro, com a função de procurador. O ministro citou a Constituição e as leis que regem o Ministério Público e o TCU, e que vedam ao procurador esse tipo de comportamento. “Reconheço que sua senhoria é um técnico honrado, mas entendo que confirmou a participação, mesmo que indiretamente, em uma manifestação dessa natureza”, disse.
Na prática, a mudança de status, de testemunha para informante, significa que o procurador não prestou juramento para dizer a verdade, e seu depoimento não deverá ser usado como prova.
Motivação
A defesa de Dilma, feita pelo ex-deputado e ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, questionou a motivação do procurador. Cardozo atribuiu a Júlio Marcelo a formulação da tese da acusação, de que houve crimes fiscais, e disse que a decisão mostra que ele agiu como militante, e não como técnico nesse caso. “A cada dia estamos demonstrando que não há razão para considerar crimes por parte da senhora presidente”, disse.
Lúcio Bernardo Junior/Câmara dos Deputados

O procurador junto ao TCU Júlio Marcelo de Oliveira: "Dilma cometeu ilícitos graves na questão fiscal"
Em sua resposta, Júlio Marcelo de Oliveira disse que não é militante anti-Dilma e que votou nela nas eleições de 2010. “Mas não foi possível não ver que as práticas a partir de 2014 foram irresponsáveis”, justificou.
O senador Aécio Neves (PSDB-MG) disse que a mesma estratégia será usada para questionar os depoentes da defesa, que segundo ele são todos militantes e assinaram manifestos em defesa de Dilma. “Alguns trabalham com senadores que defendem a presidente”, disse.
Decretos
O procurador defendeu o entendimento dos ministros do TCU de que a presidente Dilma “cometeu ilícitos graves na questão fiscal”, e por consequência atentou contra a Constituição.
Oliveira explicou que os decretos editados por Dilma foram feitos sem autorização do Congresso, o que atenta contra a Lei de Responsabilidade Fiscal. “A autorização para esses decretos dada pelo Congresso tinha uma ressalva: que eles fossem compatíveis com a meta fiscal, o que não foi cumprido”, disse.
A suplementação de créditos só pode ocorrer com autorização do Congresso Nacional, e apesar de haver uma autorização anual para esse tipo de transferência, o projeto que mudava a meta fiscal ainda não havia sido aprovado no Congresso quando os decretos foram editados. O procurador frisou que a meta fiscal tem força de lei, não é um mero desejo, e o envio de uma nova meta ao Congresso não invalida a lei que está em vigor. A meta foi alterada em dezembro, e os decretos foram assinados por Dilma em julho e agosto de 2015.
Pedaladas
Em resposta ao senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), o procurador afirmou que as chamadas “pedaladas”, atrasos no repasse de recursos para bancos públicos, foram uma maquiagem das contas públicas. Para ele, esse atraso caracterizou uma operação de empréstimo, o que precisaria de autorização do Congresso, e atenta contra as contas públicas. “Outro problema é que as decisões colocaram os bancos à mercê do abuso de sua controladora [a União]”, disse.
Luis Macedo / Câmara dos Deputados

Advogado de defesa da presidente afastada, José Eduardo Cardozo acusou o procurador junto ao TCU de não atuar de forma técnica
Questionado pelo sobre o motivo por trás de mudanças nos pareceres na análise das contas do governo Dilma em 2015, Júlio Marcelo disse que o tribunal não mudou seu entendimento sobre essas operações com bancos públicos, que vinham sendo feitas até 2014 e nunca haviam sido questionadas.
A defesa da presidente afastada argumentou que assim que o TCU mudou esse entendimento em 2015 os atrasados foram pagos, mas o procurador disse que o tribunal nunca havia dito que esses atrasos eram lícitos.
“Vossa Senhoria atuou com uma missão de condenar, e não como um técnico”, afirmou José Eduardo Cardozo.
O procurador, por sua vez, voltou a negar motivação pessoal, e disse que em seu entendimento houve crimes e a presidente deve ser responsabilizada. “Claro que as ordens da presidente foram orais, em conversas, mas ela é a responsável pelo governo, e deve ser responsabilizada”, disse.
Lei de Responsabilidade Fiscal
Ainda sobre o mesmo assunto, o auditor do TCU Antônio Carlos Carvalho Júnior afirmou que o problema é que a União controla os bancos públicos, e não deve usar esse controle para conseguir recursos de forma ilícita. “Esse é o espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi criada após os bancos estaduais no Brasil serem extintos porque os governos abusaram de seu controle”, disse.
Os bancos públicos - Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES - são responsáveis pela distribuição de diversos programas governamentais, e o governo Dilma é acusado de ter atrasado repasses no valor de R$ 60 bilhões, o que, na opinião do auditor, configura um empréstimo irregular e justifica o impeachment.
Depoimentos restantes
Além de Júlio Marcelo e de Antônio Carlos Carvalho Júnior, outras seis testemunhas ainda serão interrogadas a partir desta sexta-feira (26) - todas indicadas pela defesa. Elas se encontram, neste momento, hospedadas em num hotel no centro de Brasília, incomunicáveis e sem acesso a rádio, telefone, internet nem televisão.
Ao responder às questões de ordem, Lewandowski ressaltou que o julgamento não tem prazo para terminar, sendo assegurados o devido processo legal e o direito de defesa.
Nesta sexta, os depoimentos devem continuar, podendo chegar ao final de semana. A próxima fase está marcada para segunda-feira (29), com perguntas à presidente afastada Dilma Rousseff. Ela vai falar por 30 minutos e depois responder às perguntas de Lewandowski, dos senadores, da acusação e da defesa.
Reportagem - Marcello Larcher
Edição - Regina Céli e Alexandre Pôrto
Fonte: Agência Câmara Notícias
Nenhum comentário:
Postar um comentário